segunda-feira, novembro 8

As ultimas da minha cabeca-de-vento

E pra quem pensa que aqui tudo sao flores, aí vao os espinhos.

Imaginem aquele hóspede, aquele primo distante ou aquele colega de turma que acha que um dia foi seu amigo mas que na verdade é inconveniente, chato e debochado e parece escolher exatamente os momentos mais impropícios para aparecer! Pois bem, algumas características nossas sao assim! No meu caso, é a minha cabeca-de-vento. De vez em quando ela aparece, e nas piores horas :) Aih eu faco coisas como a clássica história de, ao querer beber leite quente, apanhar a caneca, colocá-la no microondas por um minuto , apanhá-la ao sinal e com um susto me perguntar “ué! ende foi parar o leite?!”, para só uma fracao de minuto depois perceber “ah! esqueci de colocar o leite na caneca...”. Também posso simplesmente esquecer uma reuniao imoportante no trabalho (né, time Consultexto?).

Nesses episódios, o que resta fazer é rir de mim mesma, e me lembrar do quao ridiculamente engracada posso ser. Cai na minha cabeca a carapuca da minha própria caricatura, e lembro dos adjetivos que acabo ganhando em qualquer lugar em que eu permaneca por mais tempo: autista, doida, aluada, e o melhor – que eu mesma me dei (hihihi) – selenita. Lembro, nessas horas, de um vídeo educativo que eu assistia quando era crianca, com vários mini-clipes musicais. Esse clipe em especial mostrava um pirralho desengoncado que narrava, numa melodia repetitiva e sem graca, como ele sempre fazia tudo errado. E aí o amigo falava, no refrao animadinho da música:
Ria de voce mesmo, nao importa o que,
Ser muito sério é mau pra você!
É melhor sorrir do que ter que chorar,
E a todos voce pode alegrar!

Pois bem. Desde a semana passada que a minha cabeca comecou a dar tilt. Acontece assim: o ar lá dentro da minha cachola comeca a ficar rarefeito, a gravidade diminui e as coisas comecam a flutuar e a sacudir, batem umas nas outras ou se perdem no entulho e na bagunca. Heheheh. Eu comeco a ficar desesperada e quanto mais me desespero, pior é.

Tudo comecou com a chave da casa – perdi-a assim que a recebi. Simplesmente nao conseguia lembrar onde a tinha deixado. Encontrei outro dia já nem lembro mais onde, mas tornei a perder no dia seguinte. Levei uma garrafa com água para a universidade, a esqueci lá. Gracas a Deus a encontrei de volta, na sala do Prof. Eichner. Passei a ficar mais alerta, respirar mais fundo, sempre com uma luzinha amarela piscando na testa – “nao leve isso, voce vai esquecer”, “preste atencao, voce está colocando isso aqui, está vendo?”, “nao marque compromissos que nao sejam essenciais, voce nao vai lembrar – e nem adianta anotar na agenda”.
Ufa, um dia após o outro, tudo bem; ainda sem a chave, mas ela já aparece! Chega sexta feira, a fatídica sexta-feira de Buchholz já descrita aqui. Tenho vontade de virar um ursinho com muito muito pelo macio e marrom, encontrar um cantinho quentinho no canto do quarto e hibernar – só acordar quando os pássaros voarem de volta do sul para cá. Mas, como bom ser humano jovem, tenho obrigacao de nao me deixar vencer pelo inverno – ao invés de urso, viro gerico (g ou j?) e vou-me embora para uma festa que – tá bom, nao foi ruim –, mas nao valeu em nada o esforco. Talvez eu nao odiasse tanto a festa se o dia seguinte tivesse sido diferente, mas como foi como foi, preferia nunca ter iso à danada da festa. Enfim. A festa nao interessa, ela foi como todas as festas onde voce nao conhece as pessoas. O que interessa é o dia seguinte.

Sábado. Acordei às 10h, na casa de Sonja, que é, na verdade, a casa de Katharina, que está morando conosco no Brasil. Sonja já tinha saído para o trabalho e eu estava sozinha. Pensei em ir pra casa, mas os 3,20 euros do ônibus me fizeram pensar um pouco mais – os pais de Hille iriam para Hamburgo à noite, para a casa de Helge; eu poderia esperar até à noite e ir encontrá-los lá sem pagar um tostao. Ótima idéia! Liguei para Sonja e perguntei se poderia ficar lá até à noite, e depois para os Frey e combinei tudo. Passei um dia tranquilo, assisti TV, ouvi música, cozinhei um pouco de macarrao com azeite e sal que as meninas quiseram fazer na madrugada anterior e acabaram desistindo. Vi meus e-mails. Tudo ótimo. Ao sair, deixei tudo limpinho e exatamente como eu tinha encontrado. Ou assim eu pensei!!

Segunda feira à noite. Sonja me liga e eu estou no banho. Torna a ligar, parece preocupada.
“Carol, eu queria perguntar... você cozinhou quando esteve aqui?”
“Ah, sim! Um pouco do macarrao. Mas era o seu, né? Nao era o da outra menina que mora aí nao, ou era?”
“Nao. nao sei... mas o problema nao é esse! é que o fogao... voce tirou a tampa quando cozinhou?”
“Tampa? Que tampa?”
“No fogao tem umas tampas, Carol, de metal, de decoracao... Voce... cozinhou em cima delas! e agora estao muito queimadas...”
“QUÊ!? Ai meu Deus! Tampas? Mas eu nao sabia! Ai meu Deus! Por isso é que demorou tanto pra cozinhar”
(tlin tlin tlin – ficha caindo. Eu reclamei muito nesse dia dos fogoes elétricos daqui. Eles sao planos, têm uma chapa em baixo de cada boca que esquenta e aquece a boca. Como eu nunca consigo acertar onde é o fogo alto e o fogo baixo porque nao tem fogo nenhum, acaba sendo lento mesmo. Só que nesse dia foi mais lento que nunca).
“Ai, Carol, mas se voce nao sabe, por que nao pergunta!! Porque nao me disse que queria cozinhar e eu ia explicar tudo!” (a bixinha, desesperada...) “Agora tá queimado! E, tá, a tampa você compra outra, mas o fogao em baixo estragou também e isso eu nao sei como consertar!”
(nao dá pra descrever o que eu senti na hora mas um soco bem forte no estômago teria sido um milhao de vezes melhor)
“Aaah, Sonja! eu... me desculpa! Eu achei que sabia! Eu nao tinha idéia! Ai meu Deus! Eu vou compar, eu vou consertar, eu vou dar um jeito”
(nessa hora você comeca a enxugar gelo uma meia hora... pra encurtar, vamos ao próximo desastre)
“Tem mais uma coisa. Você usou a geladeira?”
“Sim, claro, peguei uma fatiade pao lá de manha para a torradeira. Ai... O que houve?”
“É que nao ficou bem fechada... Minha colega de quarto chegou de viagem e a cozinha estava toda molhada, e a geladeira, descongelada.”
“Aaaaaaaaah meu Deus! E ela teve que limpar tudo!! Estragou a comida?”
“Ah.. nao.. mais ou menos. A pizza que estava no congelador ficou com uma forma estranha.”

Confesso que nao teve musiquinha de infância que resolvesse, e eu me senti a criatura mais ignóbia e estúpida do universo, e achei que estraguei a vida de todo mundo. Com que cara ia olhar para Sonja de novo? Com que cara ela olhou para a colega de apartamento? E com que cara as duas iriam olhar para a dona do apartamento alugado, que também é dona do fogao? Onde esse desastre iria parar, meu Deus?

Desci para o meu quarto. A primeira coisa depois de me odiar e me xingar (o que nao dura tanto) sempre é perguntar o porquê. Especular possíveis causas, conscientes ou inconscientes, no profundo do meu psiquismo atordoado. Criar um raciocínio que justifique. O que eu criei segunda à noite foi bem pouco generoso comigo. Cheguei à conclusao que tudo isso tinha acontecido porque eu fui para a festa porque achei que tinha que me mexer, que fazer coisas, que conhecer pessoas, ao invés de esperar em Deus. Concluí que minha fé era pequena demais e que isso era uma ingratidao enorme depois de tudo o que caiu do céu pra que eu viesse até aqui. Me culpei pelo medo que senti e sinto, pelas dúvidas e incertezas e angústias que sinto por estar numa situacao nova. “Se voce tivesse fé de verdade, Carolina, nada disso estaria acontecendo! Mas nao, tem que meter os pés pelas maos!”. Nao achei que era castigo de Deus. Achei que era consequencia natural do meu desespero, que por sua vez era consequencia natural da minha falta de fé, da minha mesquinhez e da minha pequenez espiritual. Pronto. Estava explicado. Como nao conseguia orar, peguei o terco que vovó e tia Carminha me deram e comecei a repetir o Pai Nosso, rápido, e depois mais lento, e mais lento, e comecei a me concentrar bem fundo nas palavras. Fui respirando e me acalmando, repetindo, “seja feita a tua vontade... perdoa as nossas dívidas... livra-nos do mal...amém.”. Depois de um terco inteiro, comecei a orar espontaneamente, e lembro que repetia “nao me deixe só, paizinho. Sem ti eu sou pior que a barata morta no canto da porta”. Heheheh! Nao sei de onde isso veio, mas foi a coisa mais nojenta que consegui pensar na hora, e era assim mesmo que me sentia – pior que a barata morta no canto da porta. E é isso que somos mesmo sem Ele, afinal. Enfim.

Depois desse tempo no meu quarto, me acalmei, e já era a hora em que iam transmitir Farenheit 9/11 na TV aqui. Era véspera das eleicoes nos EUA. Subi para ver o filme, que serviu como uma luva para me lembrar que, por mais grave que tenha sido mesmo o meu erro, a humanidade tem problemas bem maiores para resolver.

E foi assim que rezei um terco inteiro pela primeira vez na minha vida, e recomendo, inclusive para protestantes – o Pai Nosso é mesmo muitíssimo profundo.
E acreditem ou nao, encontrei minha chave finalmente segunda à noite, depois de tudo, e arranjamos para ela um chaveiro bem grande, e ela nao sai da minha bolsa.

Ps: J.K.Rowling tem uma explicacao fantástica para o sumico das chaves: ela explica que alguns bruxos chatos, para zombar dos trouxas, encolhem suas chaves até que elas fiquem praticamente invisíveis e se divertem observando o seu desespero “tinha certeza que estava aqui!”. O Sr. Weasley, a propósito, trabalha no Ministério da Magia numa sessao especializada em nos proteger desse tipo de feitico. :p Pois nao é que a sensacao é que poderia muito bem ser verdade!? hehehehehehe

mas diante de tudo isso, o sacratíssimo livro branco da ordem das iniciadas* nos lembra:

O fracasso é um mestre mais eficaz que o sucesso.

Oucam,
aprendam,
insistam.


*Mulheres que Correm com Lobos, da mestra Clarissa Pinkola Estés
Irmandade
Sacerdotizas: Carolina e Daienne
Madrinha: Dra. Vânia
Novicas: Elizeth e Júlia
Suporte espiritual: Maria José e Maria do Carmo


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