[PAUSA LONGA]
[OLHOS INQUIETOS]
[GRITANDO]
Eu queria uma materialidade para a minha morte.
[VOZ EMBARGADA]
Uma prova cabal. Não estou falando de explicação, motivo. Falo de uma consciência que é tão líquida que preenche todos os espaços do corpo.
[OLHOS MAREJADOS]
Uma certeza sentida, experienciada.
[RESPIRA FUNDO]
A gente se acostumou a colocar nossas verdades no lugar de abstrações. Amor é enzima, medo é trauma, relaxamento é analgésico, vontade é meta com planilha. E agora nada disso me serve. Quero a aparência dos sentidos, a ilusão do que eu posso ver e ter em mim.
Os pés estavam coloridos de vermelho no dia em que eu morri. Os cabelos crescidos, os peitos minando leite. A barriga muito quente, as mãos frias. A textura da pele imediatamente ficou esponjosa, não reconheci os pêlos do meu corpo.
[CALMA]
Fiz um chá de camomila bem forte, derramei na bacia de metal e enfiei meus pés dentro.
[DESESPERO]
Infusão dessa tristeza calma e mansa que me coabita desde não sei quando. Não é nada de agora. Os dedos tocando a água quente e eu sentindo arrepio nos pés. Nas panturrilhas, nas coxas. Costas e nuca. No couro cabeludo. Meus ombros se fecharam em curva e eu acho que sorri sem nem saber.
Vontade de pensar que o passado já havia começado, que eu era só um nome num documento. Every time we say goodbye saía de uma janela. Apertei os olhos e nenhuma gota escorreu. Quis poder chorar, mas achei que devia ser melhor estar ereta. Não sabia o que viria, nem se viria.
colagem da poesia de Júlia Rebouças
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