PARTIDA DE RECIFE
Finalmente chegou o dia. Depois de uma história maluca para conseguir a passagem - que será contada em outro post - fui para o aeroporto às 5 da tarde. Sairia por volta das 7:30. Estava eufórica. Pessoas muito especiais foram me ver. Só perto de cruzar o portao de embarque, olhando para Harim, a tristeza rompeu a cortina de excitacao, e doeu entrar naquela sala reservada. Por vários momentos, quase levantei do assento em que estava e corri de volta para abracar as pessoas que amo. Mas ao invés disso, permaneci estática, chorando. Depois de uma eternidade, a fila comecou a se formar. Entrei no aviao. Antes que percebesse, estava sendo arrebaqtada - é essa a sensacao que a velocidade da decolada traz, e apenas fechei os olhos e me deliciei com a sensacao de estar sendo levada. É isso que está acontecendo: estou sendo levada. Minha vida nao é minha, e sim dAquele a quem a entreguei ainda muito muito pequena. Entao aceitei, apenas fiquei quieta e parti. Logo vi minha cidade através da janela. Nunca me senti tao bairrista na vida, meu Recife, meu lugar, me espere que volto logo.
RECIFE-LISBOA e LISBOA-FRANKFURT
Ganhei a cadeira 29 J. J de Janela. 29 de a última fileira do aviao. Foi a do lado direito. Um senhor sentou-se ao meu lado. Era simpático e gracas a Deus nao puxou assunto. Mas impossibilitou que eu me deitasse e descansasse. O voo foi desconfortável, mas passou rápido, apesar de ter durado 7 horas. Fiz embarque quase imediato em Lisboa - é que errei o portao. Fui ao 19 em lugar do 09. Mas deu tempo de remediar tranquilo. O voo de Lisboa a Frankfurt durou apenas 2h45, mas pareceu uma eternidade. Nele até pude me deitar e descansar, mas tive a sensacao de que nao chegava nunca. Cheguei; segui o tempo inteiro uma mulher com casaco do Brasil que eu tinha visto embarcar no Recife. Ela estava com o marido alemao. Me ajudaram e até pagaram minha ligacao para o irmao de Hille, que iria me buscar em Hamburgo. Depois da ajuda desses dois anjos, segui para a estacao de trem.
FRANKFURT-HAMBURGO
Tinha duas bagagens enormes, pesadas e difíceis de carregar, além de uma mochila muito pesada nas costas, com dois guarda-chuvas e um cachorrinho de pelucia presos a ela. Mal podia me mover. Ao tentar entrar no onibus, derrubei uns papeis numa poca d´água. Estou igualzinha à Chihiro, no comeco de seu desafio, constatei, e me senti confortada com a comparacao. Apanhei as coisas e ainda consegui entrar no onibus que me levaria à estacao de trem. O motorista foi um doce, e apesar de ter um alemao incompreensível, me ajudou muito, tirou minhas bagagens do onibus pra mim e me ensinou aonde ir. Peguei o trem das 2:42 para Hamburgo.
Movendo as bagagens, me sentia realmente desastrada e inconveniente. Assim que entrei no trem carregando aquilo tudo, me enfiei na primeira cabinezinha de vidro que encontrei. Lá dentro um rapaz colocou minhas malas no bagageiro acima das cadeiras :) . Na estacao seguinte, tres pessoas entraram na cabine. A última, uma senhora que parecia uma bruxa boazinha, entrou mesmo sem haver lugar para ela. Quando alguem perguntou ´a senhora quer entrar?´ ela respondeu ´sim, quero minha cadeira´. Lentamente percebi o que se passava. Perguntei se alguém falava ingles e expliquei que nao sabia que os assentos eram reservados. Eles eram, e eu deveria ir em pé. Tudo bem. Levantei e saí da cabine, pedindo apenas para manter minhas malas ali. Quatro horas até Hamburgo nessas condicoes seriam dificeis, mas enfim. Só que um lugar ficou vago, e duas paradas depois a reserva expirava. Aí as pessoas de dentro da cabine fizeram questao de me avisar que o assento estava vago e eu poderia ocupá-lo :) Me senti extremamente abencoada nesse momento, e percebi o cuidado comigo desde a mulher brasileira do aeroporto, o motorista doonibus, o jovem que instalou minhas malas pesadas no trem e as pessoas que ocuparam a cabine - nada era hostil a mim, apesar de ser desastrada como Chihiro :)
A viagem de trem foi longa, mas muito agradável. A paisagem era belissima e me senti na terra média :) Todas as cidades que cruzei tinham muito verde e cortavam colinas de uma beleza impressionante. Desejei que as cidades no Brasil fossem mais cortadas pela natureza e admirei os alemaes por construirem suas cidades dessa forma. No aviao, já tinha constatado que frankfurt, por exemplo, que é um grande centro urbano, é extremamente espalhado e bem distribuído - há agrupamentos de casas e construcoes, cercados por gramados e terras cultivadas, cercadas, por sua vez, por vastos bosques. A cidade inteira é composta por essas unidades, e campo e cidade se misturam.
HAMBURGO
Peguei no sono. Acordei em cima da hora de descer, meio atordoada. Novamente um senhor da cabine retirou minhas malas do bagageiro (o que eu nem poderia ter feito sozinha, mas nem precisei pedir ajuda). Desci do trem ainda meio incerta, até que constatei estar no lugar certo - Hamburg Hauptbahnhof. Agora era só encontrar Helge. Bem, isso nao aconteceu antes de se passarem 40 minutos de espera. Liguei para mainha no Recife, que ligou pra Hille em belém do pará para pegar o celular de Helge - eu tinha apenas o numero da casa dele, ao qual ninguem atendia. Foi assim que finalmente o contactei e nos encontramos. Pegamos um metro, depois um onibus para sua casa. Foi rapidinho. Aqui, ganhei um quarto, tomei um bom banho e um spaghetti preparado por ele, regado a vinho tinto (eita, mae.. só lembrei de tu. O vinho era muito bom). Tivemos uma conversa agradável sobre idiomas e viagens, e assistimos um pouco de TV, ele me ajudando a entender. Ele é casado e tem uma filhinha, mas a esposa e a pequena estao passando o fim de semana com os sogros dele, em Kiel. Depois do jantar, aqui estou :) E já preciso dormir; meu corpo inteiro está dolorido.
Na vinda para a casa de Helge, avistei o prédio principal da universidade :) Fiquei feliz. O sofrimento de partir e deixar as pessoas que amo deu lugar a uma serenidade de estar seguindo o curso de minha vida como ele deve ser, e a certeya de que é o melhor para mim que estásendo tracado. Isso se confirma a cada momento, como tentei descrever aqui. Sinto que nao estou perdendo nada (mesmo ainda tendo medo de perder Hamrim), e sim construindo possibilidades para que novos sonhos se realizem, como este está se realizando. E, como Chihiro, logo encontrarei minha própria habilidade e a capacidade de vencer com destreza as tarefas que me sao direcionadas. Quem nao vio o filme, veja. Quem já viu, talvez agora entenda melhor porque o amo tanto - ele representa o desafio de assumir a propria vida em um mundo ainda totalmente desconhecido, sem a protecao dos pais, atravessando dificuldades e inabilidades, e tendo ainda o desafio de nao esquecer o próprio nome.
Ana Carolina de Senna Melo e Silva
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